sábado, 28 de julho de 2012

Capítulo 1




BOA VIAGEM: SEU INÍCIO COM A IGREJINHA

           

E
m que pese, marcadamente, tratar o presente trabalho de descrever as nossas vidas nas décadas de 1940/1980, não poderíamos deixar de contar a história do bairro, pois temos a absoluta convicção de que uma grande maioria de sua população desconhece a origem do povoado. Sendo assim, estaremos satisfazendo os companheiros, amigos e, talvez, alguns outros curiosos leitores, enriquecendo-lhes à memória e o conhecimento.
Como quase todos os grandes povoados do litoral brasileiro, Boa Viagem, nasceu e começou a crescer numa pequena vila de pescadores, em torno de uma igrejinha, em área que foi doada por Baltazar da Costa Passos e sua mulher, D. Ana de Araújo Costa, em escritura lavrada em 06 de junho de 1707, em favor do padre Leandro Camelo que a ergueu, sob a invocação de Nossa Senhora da Boa Viagem.
O renomado historiador e pesquisador, Francisco Augusto Pereira da Costa, na sua obra ARREDORES DO RECIFE, Editora Massangana, Fundação Joaquim Nabuco, ano 2001, Recife PE, nos ensina:

“Desmembrando Baltazar da Costa Passos as terras doadas da sua propriedade denominada da Barreta, ficou, ainda, com uma grande parte da mesma; mas, por sua morte, deixou-a para patrimônio da capela, parte essa que constituíra um grande sítio com 500 braças de frente sobre iguais de fundo das cem que doara em 1707.
Em auxílio da fundação da capela, veio, também, um irmão de Baltazar, Antonio da Costa Passos, que por escritura lavrada em 27 de setembro do mesmo ano, igualmente firmada por sua mulher, D. Catarina de Sampaio, fez doação de um sítio de terras na mesma localidade da Barreta, com uma área de cem braças em quadro, a partir dos limites da parte doada por seu irmão ao padre Leandro Camelo – ‘para fazer nela uma capela dedicada a N.S. do Presepe e Jesus, Maria e José, assistir nela e celebrar os ofícios divinos.
Não consta quando foi fundada a capela, nem quando ficou concluída, mas, como data averiguada da sua existência, encontramos o ano de 1723, como se vê de um sermão impresso, do padre Fr. Jaboatão, pregado na festa de S. José, na igreja da Boa Viagem, na praia da Candelária, fazendo a festa anual, o reverendíssimo Inácio Ribeiro Noia, mestre da capela, o ano do 1730.
As terras patrimoniais da capela foram retalhadas em vários sítios, proporcionando, portanto, uma certa renda; e de um termo de entrega da sua administração, em 1740, se vê que o patrimônio da igreja constava, então, de cinco grandes sítios, quatro pequenos e vinte casas térreas no povoado, cujo patrimônio foi ainda aumentado em 1760, com a doação que fez o padre Luis Marques Teixeira, de um sítio de coqueiros que possuía na própria localidade da Boa Viagem, o qual, anteriormente, pertencera a Antonio Pereira, confinando ao sul com as terras do sargento-mor Antonio Vaz de Miranda, com o único ônus de tirar-se da sua renda a quantia necessária para se conservar acesa, dia e noite, a lâmpada da capela-mor da Igreja.  O sargento-mor Vaz de Miranda foi, também, um dos seus benfeitores, como se vê do epitáfio escrito sobre a pedra que cobre a sua sepultura, junto à grade da capela-mor.
Ao padre Leandro Camelo, fundador da capela, consagra o nosso historiador Loreto Couto estas palavras: ‘Natural de Pernambuco, nobre pelo nascimento e mais ilustre pelas virtudes... os pobres foram credores da maior parte dos seus desvelos, e quanto mais possuía empregou em obséquio de Maria Santíssima, e para que no patrocínio da Senhora segurassem todos os pecadores as viagens deste mundo e fizessem felizes os sucessos das suas navegações, mandou fazer uma imagem com o título da Boa Viagem, e a colocou em uma magnífica igreja que erigiu para a parte do meio-dia, distante duas léguas do Recife, sobre as praias do mar, para que todos acudam, como acodem, com o imenso concurso, a procurar o seu patrocínio, pondo as suas esperanças nesta Senhora, cujo cuidado é levar-nos, sempre, ao desejado porto de salvação, porque ela é, no tempestuoso mar da vida, a esperança firme e a âncora segura de um outro mundo.’
Ao padre Leandro Camelo, que muito auxiliou na obra de construção da igreja sua irmã D. Águeda de Jesus, o que também refere o mencionado escritor, dizendo: ‘Foi a sua humildade tão profunda, que sobre os seus delicados ombros, carregava os materiais para construí... Cheia de merecimento passou desta mortal vida à eterna, e foi sepultada na dita igreja.’
Coube também ao historiador Fernando Maia Pio dos Santos, mais conhecido por Fernando Pio, que foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Pernambucano, uma penetração mais profunda da história da nossa paróquia, através da sua obra intitulada: ‘NOTÍCIA HISTÓRICA E SENTIMENTAL DA IGREJINHA DE NOSSA SENHORA DA BOA VIAGEM’, impresso pela Imprensa Universitária – Redife- 1961, (talvez seja esta, a única obra que trata de forma exclusiva sobre esse templo da nossa praia, quando se aprofundou numa pesquisa, em velhos e carcomidos livros de Receita e Despesa das Irmandades ou de Igrejas). Vejamos:
               


A PRAIA

Bem pouco conhecemos das antigas origens da romântica praia da Boa Viagem: apenas sabemos que toda aquela vastidão deserta pertencera a certa propriedade que tinha começo nas imediações da atual praia das Candeias, imenso trato de terras que vinha desde aquele distante lugar até às alturas do pontal do Pina.
 Nenhum documento posterior ao século XVII nos dá mínima notícia dessa hoje nobre e encantadora praia, embora saibamos que o caminho para o sul da capitania tinha início, na cidade, com a travessia do rio Capibaribe, entre a Cabanga e o Pina e pela orla do mar seguia-se até alcançar as matas do interior.
Dentro da rigidez severa dos números e das datas que compõem os velhos e carcomidos livros de ‘Receita e Despesa’ das Irmandades ou das Igrejas, muito da formação social de uma comunidade encontra o pesquisador atento, muitas vezes deliciosas brechas para o estudo dos usos e costumes de épocas passadas e até mesmo de sua topografia e do seu desenvolvimento humano.”

Fernando Pio, ainda, no seu livro supra mencionado, retratando a Igreja que deu o nome ao bairro, assim descreveu:

“A despeito de toda a névoa que encobre a história da Igreja nos seus primeiros dias de fundação, podemos afirmar que o padre Leandro Camelo cumpriu, rigorosamente, os termos do seu compromisso assumido com Baltazar e Antonio da Costa Passos, no tocante ao levantamento do templo prometido.
Deveremos, realmente, não esquecer as imensas dificuldades, não somente de ordem material como também de aspecto financeiro, que teve de enfrentar este boníssimo padre Leandro Camelo que, embora nobre de nascimento, fez dos pobres, na rebuscada frase de um escritor coevo, ‘os credores da mayor parte dos seos desvellos e quanto mais possuhia empregou em obsequio de Maria Santissima’.
Não somente ele tanto trabalhou pela construção de sua capelinha como também sua irmã, Aguida de Jesus, terceira da Ordem de São Francisco de Recife, que, nos seus próprios ombros frágeis de mulher, carregava material para o levantamento da Igreja, onde, hoje, se encontra sepultada.
E foi assim que, certo dia, anônimo na história, abriu-se ao culto da religião católica, apostólica, romana a capelinha de Nossa Senhora da Boa Viagem.
E como seria mantido o culto e conservada a capela? Bem sabemos que o donativo da Baltazar da Costa Passos de cem braças iniciais de terra era reservado para a construção do templo. Que a seguinte doação de Antonio da Costa Passos, irmão de Baltazar, de outras tantas cem braças, tinha como finalidade prescrita melhor dotá-la do necessário para seus parâmetros, ao passo que as últimas quinhentas braças deixadas por testamento do mesmo Baltazar e a única que, além das terras sem renda, incluía trinta e tantos pés de coqueiros e uma casa de taipa de venda, deviam responder pela celebração de quatro capelas de missas por alma da defunta Maria Gomes de Melo, a quem Baltazar da Costa Passos havia comprado, antigamente, as referidas terras doadas.”

A partir de janeiro de 1949, a Igreja da pracinha, após tornar-se paróquia, em setembro de 1948, empossou como seu vigário o padre Romeu Vasconcelos de Sá Barreto, que vindo a falecer em seis de agosto de 1967, foi substituído pelo cônego Edvaldo Bezerra da Silva, por três anos consecutivos. Em 1970, foi empossado vigário da paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, o cônego Osvaldo Gomes Machado, que seria substituído anos depois pelo padre Marcos Ferreira do Carmo OSB, e depois pelo padre Luiz Antônio. A partir de primeiro de janeiro de 1999 o já Monsenhor Edvaldo Bezerra da Silva voltou a chefiar a paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, secundado pelo seu auxiliar padre José Albérico Bezerra de Almeida.   
O professor Manuel Correia de Andrade, na sua obra RECIFE, UMA TRAJETÓRIA SECULAR, Editora Artelivro, Recife PE, ano 2003, fls. 29, também assim opina:

“Na década de Vinte, no governo de Sérgio Loreto, foi construída a ponte do Pina, com 700 metros de extensão e localizada sobre os canos de esgoto da cidade, com uma linha para bondes e uma passagem para automóveis.  Esta ponte abriu grande oportunidade para o desenvolvimento da porção sul da cidade que passou a formar um bairro de classe alta, a princípio só para veraneio – o de Boa Viagem.  No começo as construções eram feitas apenas à beira mar, na restinga que separava a faixa litorânea dos manguezais; depois, sobretudo a partir dos anos Quarenta, elas foram se expandindo e os manguezais sendo aterrados até a Imbiribeira.”

O historiador, Carlos Bezerra Cavalcanti, na sua obra; O RECIFE E SUAS RUAS, SE ESSAS RUAS FOSSEM MINHAS, Edições Edificantes, Recife PE, ano 2002, págs. 69/70, descrevendo  a nossa praia, como  se  fosse   um  nativo, com  uma  proficiência   ímpar, nos narra:

“Até os anos cinquenta, no entanto, Boa Viagem permaneceu como local de veraneio e de colônia de pescadores. A Avenida Beira-Mar tinha em toda sua extensão apenas cerca de 200 casas. De lá para cá, muita coisa mudou com a inauguração da Ponte Agamenon Magalhães, em 1953, ligando o Pina à Cabanga, Boa Viagem estaria mais ‘perto’, no entanto, segundo crítica da época, ficou porém para trás, perdida na memória de muitos, aquela Boa Viagem das retretas de domingo, das casas só para veraneio, do bonde que a brisa do mar tornava mais lento e preguiçoso; aquela tranquilidade dos chamados banhos salgados, depois banhos de mar, depois banhos de águas mornas, em piscinas naturais; aquela praia que acabava, praticamente, no terminal da igreja, no terreno de João Cardoso Ayres, local do Boa Viagem Praia Clube e dos jogos de tênis, onde, no início dos anos cinqüenta, o empresário Luís Dias Lima, construiu o Hotel Boa Viagem.
Por volta de 1958, a área veio receber seus primeiros arranhas-céu, como eram chamados os precursores dos atuais espigões, elemento tão comum na atual paisagem.
Primeiro foi o ‘Califórnia’ depois vieram outros como o ‘Acaiaca’ e o ‘Holliday’. Essa visão urbana progressista, segundo Fernando Borba, nos foi trazida pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsoi, associando ao que aconteceu, na época, em Copacabana, em termos sociais urbanos, antevendo algo semelhante para a bucólica praia pernambucana, incentivando as primeiras construções de prédios dessa localidade.
Posteriormente, três fatores vieram contribuir para o aumento da demanda imobiliária dessa zona praieira:
Primeiro: - As cheias do Rio Capibaribe em 1966, 70 e 75, que atingiram, drasticamente, residências de bairros ribeirinhos, como Casa Forte, Parnamirim, Santana, Graça, Torre, Madalena, Caxangá, Cordeiro e Ilha do Leite, entre outros.
Segundo: - O crescimento desenfreado da criminalidade urbana, ainda mais constante e ameaçadora, tornando as casas, principalmente de bairros mais aristocráticos, alvos vulneráveis de roubos e assaltos.
Terceiro: - O diminuto espaço territorial do Recife, com apenas 209 Km2, que impõe o crescimento vertical.
Boa Viagem de hoje é uma das áreas mais desenvolvidas do país, tendo uma população que supera vários municípios do Estado; a maior arrecadação de impostos por bairro e dona de uma grandiosa infra-estrutura turística, onde se destacam excelentes redes de hotéis, bares, restaurantes, casas de shows e lojas de artesanatos, além de uma diversificada cadeia de agências bancárias, tudo isso, coadjuvado por um dos maiores Shoppings Centers da América Latina.”

Reforçando a tese do ilustre professor Carlos Bezerra Cavalcanti, o aparecimento em 1965, do BNH Banco Nacional de Habitação, via Sistema Financeiro de Habitação, foi também um propulsor do nosso desenvolvimento, tornando o bairro mais populoso da cidade, com cerca de aproximadamente, 130.000 (cento e trinta mil) habitantes, nos dias de hoje.




Antônio Carlos Cavalcanti de Araújo

Um comentário:

  1. Muito interessante esse primeiro capítulo, me levando ao interesse de continuar descobrindo o início de um bairro tão famoso. Parabéns pelo trabalho

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