domingo, 29 de julho de 2012

Reminiscências - Boa Viagem ontem e hoje.






Iniciaremos agora as postagens do livro Boa Viagem – ontem e hoje.
Esperamos que a cada página, você, caro internauta, possa se deleitar ao conhecer os muitos prazeres desta linda cidade.














AGRADECIMENTOS



Aos meus pais Carlos e Odete Araújo “in memoriam” por ter aprendido com eles o sentido da vida.
À minha mulher Janisse, aos meus filhos Rafaella e Toninho e ao meu “enteado” Thiaguinho, pelo apoio que me deram.
Aos amigos Marco e Nice Carvalho; Solange Mendes e Luiz Antônio Pereira; Eduardo e Ceiça Feitosa; Aristides Demery Carneiro; Wilson Calado Júnior e Iolete de Oliveira Barros, pelas substanciais informações “buscadas do fundo dos baús” de suas inteligências.
Aos meus companheiros do Rififi, que prazerosamente há cinqüenta anos, fazem parte da minha vida.
À bibliotecária D. Lindinalva Costa dos Santos do Arquivo Público do nosso Estado pela inestimável ajuda nas pesquisas de documentos.
Aos amigos que se foram na certeza de que, um dia, brincaremos juntos um “carnaval celeste”, sem máscaras, sem hipocrisia e sem fantasias.


APRESENTAÇÃO




Nesta elegia a Boa Viagem, onde evoca o Deus Tempo em cada frase, Antônio Carlos Cavalcanti de Araújo, o meu amigo Tonhão, conseguiu fazer alguns milagres.
Percorrendo essas páginas, o leitor que teve a sorte de viver acontecimentos aqui narrados poderá se deparar com grandes surpresas e reviver sentimentos, que pareciam esmaecidos, com uma impressionante nitidez de detalhes.
Comigo, aconteceu. De repente, eu me vi num domingo à tarde, na Avenida Boa Viagem, com minha calça cor de rosa, minha blusa de lastex e meus sapatos “cavalo de aço”, paquerando alguns nomes citados no livro, ansiando pela passagem de um certo carro verde, ou confessando às amigas que daquela vez eu iria morrer de amor e não havia escapatória. Daqui a pouco lá estava eu passeando na Conselheiro Aguiar, em direção a “Karblen”, quando na altura da “Cogranja” ouvi pela primeira vez a canção “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, de Roberto Carlos. Em seguida eu já estava entrando na boate Cave com o coração aberto para o inesperado, e depois estendia uma canga na areia da praia, em frente ao Cote D’Azur, e então já estava dançando “Alone again” numa festa na “Casa Navio”, e daí me peguei vestida de preto no “Enterro do Carnaval do Recife”, e quando me dei conta estava em todos esses lugares ao mesmo tempo. Ou eram todos esses lugares que estavam em mim. Aliás, sempre estiveram. Eu é que não percebia o tanto de mim que ainda mora em Boa Viagem.
                Agora sim, está tudo devidamente escrito, registrado e eternizado.
                Obrigada, Tonhão, por nos mostrar que para sempre teremos 15 anos, não importa quando e nem onde, e portanto podemos transformar o mundo. Tempo, tempo, tempo, tempo.

Adriana Falcão

sábado, 28 de julho de 2012

Capítulo 1




BOA VIAGEM: SEU INÍCIO COM A IGREJINHA

           

E
m que pese, marcadamente, tratar o presente trabalho de descrever as nossas vidas nas décadas de 1940/1980, não poderíamos deixar de contar a história do bairro, pois temos a absoluta convicção de que uma grande maioria de sua população desconhece a origem do povoado. Sendo assim, estaremos satisfazendo os companheiros, amigos e, talvez, alguns outros curiosos leitores, enriquecendo-lhes à memória e o conhecimento.
Como quase todos os grandes povoados do litoral brasileiro, Boa Viagem, nasceu e começou a crescer numa pequena vila de pescadores, em torno de uma igrejinha, em área que foi doada por Baltazar da Costa Passos e sua mulher, D. Ana de Araújo Costa, em escritura lavrada em 06 de junho de 1707, em favor do padre Leandro Camelo que a ergueu, sob a invocação de Nossa Senhora da Boa Viagem.
O renomado historiador e pesquisador, Francisco Augusto Pereira da Costa, na sua obra ARREDORES DO RECIFE, Editora Massangana, Fundação Joaquim Nabuco, ano 2001, Recife PE, nos ensina:

“Desmembrando Baltazar da Costa Passos as terras doadas da sua propriedade denominada da Barreta, ficou, ainda, com uma grande parte da mesma; mas, por sua morte, deixou-a para patrimônio da capela, parte essa que constituíra um grande sítio com 500 braças de frente sobre iguais de fundo das cem que doara em 1707.
Em auxílio da fundação da capela, veio, também, um irmão de Baltazar, Antonio da Costa Passos, que por escritura lavrada em 27 de setembro do mesmo ano, igualmente firmada por sua mulher, D. Catarina de Sampaio, fez doação de um sítio de terras na mesma localidade da Barreta, com uma área de cem braças em quadro, a partir dos limites da parte doada por seu irmão ao padre Leandro Camelo – ‘para fazer nela uma capela dedicada a N.S. do Presepe e Jesus, Maria e José, assistir nela e celebrar os ofícios divinos.
Não consta quando foi fundada a capela, nem quando ficou concluída, mas, como data averiguada da sua existência, encontramos o ano de 1723, como se vê de um sermão impresso, do padre Fr. Jaboatão, pregado na festa de S. José, na igreja da Boa Viagem, na praia da Candelária, fazendo a festa anual, o reverendíssimo Inácio Ribeiro Noia, mestre da capela, o ano do 1730.
As terras patrimoniais da capela foram retalhadas em vários sítios, proporcionando, portanto, uma certa renda; e de um termo de entrega da sua administração, em 1740, se vê que o patrimônio da igreja constava, então, de cinco grandes sítios, quatro pequenos e vinte casas térreas no povoado, cujo patrimônio foi ainda aumentado em 1760, com a doação que fez o padre Luis Marques Teixeira, de um sítio de coqueiros que possuía na própria localidade da Boa Viagem, o qual, anteriormente, pertencera a Antonio Pereira, confinando ao sul com as terras do sargento-mor Antonio Vaz de Miranda, com o único ônus de tirar-se da sua renda a quantia necessária para se conservar acesa, dia e noite, a lâmpada da capela-mor da Igreja.  O sargento-mor Vaz de Miranda foi, também, um dos seus benfeitores, como se vê do epitáfio escrito sobre a pedra que cobre a sua sepultura, junto à grade da capela-mor.
Ao padre Leandro Camelo, fundador da capela, consagra o nosso historiador Loreto Couto estas palavras: ‘Natural de Pernambuco, nobre pelo nascimento e mais ilustre pelas virtudes... os pobres foram credores da maior parte dos seus desvelos, e quanto mais possuía empregou em obséquio de Maria Santíssima, e para que no patrocínio da Senhora segurassem todos os pecadores as viagens deste mundo e fizessem felizes os sucessos das suas navegações, mandou fazer uma imagem com o título da Boa Viagem, e a colocou em uma magnífica igreja que erigiu para a parte do meio-dia, distante duas léguas do Recife, sobre as praias do mar, para que todos acudam, como acodem, com o imenso concurso, a procurar o seu patrocínio, pondo as suas esperanças nesta Senhora, cujo cuidado é levar-nos, sempre, ao desejado porto de salvação, porque ela é, no tempestuoso mar da vida, a esperança firme e a âncora segura de um outro mundo.’
Ao padre Leandro Camelo, que muito auxiliou na obra de construção da igreja sua irmã D. Águeda de Jesus, o que também refere o mencionado escritor, dizendo: ‘Foi a sua humildade tão profunda, que sobre os seus delicados ombros, carregava os materiais para construí... Cheia de merecimento passou desta mortal vida à eterna, e foi sepultada na dita igreja.’
Coube também ao historiador Fernando Maia Pio dos Santos, mais conhecido por Fernando Pio, que foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Pernambucano, uma penetração mais profunda da história da nossa paróquia, através da sua obra intitulada: ‘NOTÍCIA HISTÓRICA E SENTIMENTAL DA IGREJINHA DE NOSSA SENHORA DA BOA VIAGEM’, impresso pela Imprensa Universitária – Redife- 1961, (talvez seja esta, a única obra que trata de forma exclusiva sobre esse templo da nossa praia, quando se aprofundou numa pesquisa, em velhos e carcomidos livros de Receita e Despesa das Irmandades ou de Igrejas). Vejamos:
               


A PRAIA

Bem pouco conhecemos das antigas origens da romântica praia da Boa Viagem: apenas sabemos que toda aquela vastidão deserta pertencera a certa propriedade que tinha começo nas imediações da atual praia das Candeias, imenso trato de terras que vinha desde aquele distante lugar até às alturas do pontal do Pina.
 Nenhum documento posterior ao século XVII nos dá mínima notícia dessa hoje nobre e encantadora praia, embora saibamos que o caminho para o sul da capitania tinha início, na cidade, com a travessia do rio Capibaribe, entre a Cabanga e o Pina e pela orla do mar seguia-se até alcançar as matas do interior.
Dentro da rigidez severa dos números e das datas que compõem os velhos e carcomidos livros de ‘Receita e Despesa’ das Irmandades ou das Igrejas, muito da formação social de uma comunidade encontra o pesquisador atento, muitas vezes deliciosas brechas para o estudo dos usos e costumes de épocas passadas e até mesmo de sua topografia e do seu desenvolvimento humano.”

Fernando Pio, ainda, no seu livro supra mencionado, retratando a Igreja que deu o nome ao bairro, assim descreveu:

“A despeito de toda a névoa que encobre a história da Igreja nos seus primeiros dias de fundação, podemos afirmar que o padre Leandro Camelo cumpriu, rigorosamente, os termos do seu compromisso assumido com Baltazar e Antonio da Costa Passos, no tocante ao levantamento do templo prometido.
Deveremos, realmente, não esquecer as imensas dificuldades, não somente de ordem material como também de aspecto financeiro, que teve de enfrentar este boníssimo padre Leandro Camelo que, embora nobre de nascimento, fez dos pobres, na rebuscada frase de um escritor coevo, ‘os credores da mayor parte dos seos desvellos e quanto mais possuhia empregou em obsequio de Maria Santissima’.
Não somente ele tanto trabalhou pela construção de sua capelinha como também sua irmã, Aguida de Jesus, terceira da Ordem de São Francisco de Recife, que, nos seus próprios ombros frágeis de mulher, carregava material para o levantamento da Igreja, onde, hoje, se encontra sepultada.
E foi assim que, certo dia, anônimo na história, abriu-se ao culto da religião católica, apostólica, romana a capelinha de Nossa Senhora da Boa Viagem.
E como seria mantido o culto e conservada a capela? Bem sabemos que o donativo da Baltazar da Costa Passos de cem braças iniciais de terra era reservado para a construção do templo. Que a seguinte doação de Antonio da Costa Passos, irmão de Baltazar, de outras tantas cem braças, tinha como finalidade prescrita melhor dotá-la do necessário para seus parâmetros, ao passo que as últimas quinhentas braças deixadas por testamento do mesmo Baltazar e a única que, além das terras sem renda, incluía trinta e tantos pés de coqueiros e uma casa de taipa de venda, deviam responder pela celebração de quatro capelas de missas por alma da defunta Maria Gomes de Melo, a quem Baltazar da Costa Passos havia comprado, antigamente, as referidas terras doadas.”

A partir de janeiro de 1949, a Igreja da pracinha, após tornar-se paróquia, em setembro de 1948, empossou como seu vigário o padre Romeu Vasconcelos de Sá Barreto, que vindo a falecer em seis de agosto de 1967, foi substituído pelo cônego Edvaldo Bezerra da Silva, por três anos consecutivos. Em 1970, foi empossado vigário da paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, o cônego Osvaldo Gomes Machado, que seria substituído anos depois pelo padre Marcos Ferreira do Carmo OSB, e depois pelo padre Luiz Antônio. A partir de primeiro de janeiro de 1999 o já Monsenhor Edvaldo Bezerra da Silva voltou a chefiar a paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, secundado pelo seu auxiliar padre José Albérico Bezerra de Almeida.   
O professor Manuel Correia de Andrade, na sua obra RECIFE, UMA TRAJETÓRIA SECULAR, Editora Artelivro, Recife PE, ano 2003, fls. 29, também assim opina:

“Na década de Vinte, no governo de Sérgio Loreto, foi construída a ponte do Pina, com 700 metros de extensão e localizada sobre os canos de esgoto da cidade, com uma linha para bondes e uma passagem para automóveis.  Esta ponte abriu grande oportunidade para o desenvolvimento da porção sul da cidade que passou a formar um bairro de classe alta, a princípio só para veraneio – o de Boa Viagem.  No começo as construções eram feitas apenas à beira mar, na restinga que separava a faixa litorânea dos manguezais; depois, sobretudo a partir dos anos Quarenta, elas foram se expandindo e os manguezais sendo aterrados até a Imbiribeira.”

O historiador, Carlos Bezerra Cavalcanti, na sua obra; O RECIFE E SUAS RUAS, SE ESSAS RUAS FOSSEM MINHAS, Edições Edificantes, Recife PE, ano 2002, págs. 69/70, descrevendo  a nossa praia, como  se  fosse   um  nativo, com  uma  proficiência   ímpar, nos narra:

“Até os anos cinquenta, no entanto, Boa Viagem permaneceu como local de veraneio e de colônia de pescadores. A Avenida Beira-Mar tinha em toda sua extensão apenas cerca de 200 casas. De lá para cá, muita coisa mudou com a inauguração da Ponte Agamenon Magalhães, em 1953, ligando o Pina à Cabanga, Boa Viagem estaria mais ‘perto’, no entanto, segundo crítica da época, ficou porém para trás, perdida na memória de muitos, aquela Boa Viagem das retretas de domingo, das casas só para veraneio, do bonde que a brisa do mar tornava mais lento e preguiçoso; aquela tranquilidade dos chamados banhos salgados, depois banhos de mar, depois banhos de águas mornas, em piscinas naturais; aquela praia que acabava, praticamente, no terminal da igreja, no terreno de João Cardoso Ayres, local do Boa Viagem Praia Clube e dos jogos de tênis, onde, no início dos anos cinqüenta, o empresário Luís Dias Lima, construiu o Hotel Boa Viagem.
Por volta de 1958, a área veio receber seus primeiros arranhas-céu, como eram chamados os precursores dos atuais espigões, elemento tão comum na atual paisagem.
Primeiro foi o ‘Califórnia’ depois vieram outros como o ‘Acaiaca’ e o ‘Holliday’. Essa visão urbana progressista, segundo Fernando Borba, nos foi trazida pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsoi, associando ao que aconteceu, na época, em Copacabana, em termos sociais urbanos, antevendo algo semelhante para a bucólica praia pernambucana, incentivando as primeiras construções de prédios dessa localidade.
Posteriormente, três fatores vieram contribuir para o aumento da demanda imobiliária dessa zona praieira:
Primeiro: - As cheias do Rio Capibaribe em 1966, 70 e 75, que atingiram, drasticamente, residências de bairros ribeirinhos, como Casa Forte, Parnamirim, Santana, Graça, Torre, Madalena, Caxangá, Cordeiro e Ilha do Leite, entre outros.
Segundo: - O crescimento desenfreado da criminalidade urbana, ainda mais constante e ameaçadora, tornando as casas, principalmente de bairros mais aristocráticos, alvos vulneráveis de roubos e assaltos.
Terceiro: - O diminuto espaço territorial do Recife, com apenas 209 Km2, que impõe o crescimento vertical.
Boa Viagem de hoje é uma das áreas mais desenvolvidas do país, tendo uma população que supera vários municípios do Estado; a maior arrecadação de impostos por bairro e dona de uma grandiosa infra-estrutura turística, onde se destacam excelentes redes de hotéis, bares, restaurantes, casas de shows e lojas de artesanatos, além de uma diversificada cadeia de agências bancárias, tudo isso, coadjuvado por um dos maiores Shoppings Centers da América Latina.”

Reforçando a tese do ilustre professor Carlos Bezerra Cavalcanti, o aparecimento em 1965, do BNH Banco Nacional de Habitação, via Sistema Financeiro de Habitação, foi também um propulsor do nosso desenvolvimento, tornando o bairro mais populoso da cidade, com cerca de aproximadamente, 130.000 (cento e trinta mil) habitantes, nos dias de hoje.




Antônio Carlos Cavalcanti de Araújo

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Capítulo 2




NOSSA PRAIA – Décadas de 1940 / 1950.



D
izem os poetas “que recordar é viver”, e tal assertiva é tão verdadeira que, para quem sempre gostou de gozar a vida se pautando no bem e angariando boas amizades, rememorar nos traz bons momentos de felicidades. Quem assim viveu ou vive, por certo tem nos confins de sua alma uma vontadezinha de deixar registrado fatos e acontecimentos aparentemente efêmeros que, de uma forma ou de outra, nos fizeram felizes e nos ajudaram a ser o que hoje somos .
O nosso presente foi construído pelo nosso passado; daí as lembranças que tocam os nossos corações e nos levam a escrevinhar, sem nenhuma pretensão literária, salvo a de rememorar com os amigos e companheiros (alguns já ausentes desta vida, outros dispersos pela luta da sobrevivência), que, juntos, fomos artistas ou coadjuvantes de muitas coisas boas que aconteceram em nossas vidas. Daí as lembranças de uma Boa Viagem, idílica, ainda desabitada, onde, praticamente todos os seus moradores eram pessoas conhecidas, se não pelos nomes, pela fisionomia e ou descendência familiar.
Na década de1940, Boa Viagem não passava de uma praia de veraneio. A sua população se resumia nas tradicionais famílias possuidoras de grandes sítios: dos Dhália da Silveira; da Condessa do Livramento; outras, com sítios menores (família Falcão; as viúvas de São José do Êxito e os militares ocupantes dos imóveis da FORÇA AÉREA BRASILEIRA); e, uma classe média formada por médicos, advogados, engenheiros e juizes. Na avenida principal, hoje denominada Avenida Boa Viagem, trafegavam os últimos  bondes elétricos por baixo dos postes fincados no seu meio em forma de T. No período de férias de fim de ano, a praia voltava a se movimentar com a ocupação das grandes casas da beira mar   pertencentes a usineiros, senhores de engenho e políticos da chamada classe alta da época, que vinham com a família veranear na praia. Nesse tempo o bairro era tão tranqüilo, que a meninada, quando ia aos cinemas no centro do Recife, sempre arranjava uma especial carona nos carros dos seus habitantes. Eram poucos os que se negavam a atender o usual pedido com as mãos.
Na avenida beira-mar existiam casas, muitas casas em quase toda a sua extensão (uma boa parte, denominada de vila), porém, nas outras ruas transversais e avenidas paralelas, os prédios residenciais eram espaçados e com poucos arruados com  casas  geminadas. Outrora, o badalar dos sinos da velha Igreja da Pracinha (Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem) e o barulho do trafegar dos trens que iam para o Cabo e, que de lá também vinham, eram escutados pelos  moradores do bairro, de  forma  tão  perceptível, que faziam pensar que estivessem pertíssimo deles, além do que, em  alguns trechos se enxergavam a máquina  e os vagões, que passavam  numa  distância de mais de dois quilômetros do mar (A mesma linha do atual Metrorec, perto da Av. Mascarenhas de Moraes, antiga Estrada da Imbiribeira).
Na pracinha da Paróquia de Boa Viagem tinha o terminal  do bonde que já  na década  de 1950, passou a ser também, o ponto final dos ônibus,da São Jerônimo, Empresa  Progresso (João Tude), depois Empresa Zorilla e Empresa  Pedrosa e, atualmente, a Empresa Borborema. Ali havia um bar-lanchonete e, uma bomba de gasolina, talvez o único posto que abastecia os automóveis dos habitantes da praia. A inauguração do Hotel Boa Viagem pela família Dias Lins foi o marco inicial do desenvolvimento do bairro, que tinha apenas como referencias turísticas a casa navio, réplica no transatlântico “Queen Elizabeth”; a casa-piano de Raul Freire e a própria beleza natural da praia, cheia de arrecifes. A casa navio, cartão postal de Boa Viagem, que pertenceu ao empresário Adelmar da Costa Carvalho se localizava onde hoje é o Edf. Vânia, no tradicional trecho chamado de “Corta Jaca”. Aliás, uma denominação jocosa do povo na época em que o ex- governador Carlos de Lima Cavalcanti, ali passava as suas férias rodeado por bajuladores, muitos deles, pessoas  da velha aristocracia pernambucana, que não o deixava descansar. Cortar jaca é uma gíria popular que significa bajular, adular, tratando-se, de uma forma espirituosa de criticar a pessoa que gosta de ser bajuladora, ou Xeleléu. O Corta Jaca, é o trecho que fica no meio dos arrecifes que saem de frente da casa do brigadeiro e vão até frente ao Edf. Acaiaca. É talvez um dos mais bonitos trechos de praia do litoral brasileiro, senão do mundo, como vários viajantes garantem, uma vez que, quando a maré está baixa, formam verdadeiras piscinas de água morna proporcionando um tranqüilo banho de mar. No passado, havia um trampolim, onde a criançada pulava e que logo foi retirado após a morte de um jovem adolescente da família Albino Pimentel, diminuindo o número de pessoas que se arriscavam naquela diversão.
Gilberto Freire, no seu “GUIA PRÁTICO, HISTÓRICO E SENTIMENTAL DA CIDADE DO RECIFE”, na década de 1930, já dizia sobre Boa Viagem:

“Sol aquece, tempo de verão e de mar baixo, a água das várias bacias que em Boa Viagem são uma verdadeira sucessão de piscinas entre os arrecifes e a praia. Tem-se idéia de que, dentro dessas piscinas, alguém prepara a água de banho, uma misteriosa mucama que gradua a temperatura do mar – o mar assim condicionado em piscinas – para regalo dos muitos ioiôs e das muitas iaiás da terra ou vindas do sul e do estrangeiro que não encontram aqui o frio das águas européias ou mesmo das de Copacabana, e sim uma água ao mesmo tempo verde e morna. Um banho em Boa Viagem é um dos maiores regalos que o Recife oferece a adventícios, tanto quanto a nativos.”

FESTAS DA PADROEIRA

A festa da padroeira do nosso bairro era pública e única e acontecia nos quinze dias que antecediam a data do aniversário de Nossa Senhora da Boa Viagem, no largo da Igreja da pracinha, repleto de brinquedos e barracas de jogos para crianças e adultos. Era um parque de diversões, quase que completo, com rodas-gigantes, auto-pistas, carrosséis, pesca-pesca, tiro ao alvo, casa do terror  e  o  posto  de rádio,  que  difundia  as  músicas  mais tocadas e as mensagens  românticas dos enamorados ou espirituosas dos grupos de jovens que ali  compareciam.
No intervalo de uma tocata de uma música para outra (geralmente gravações com 78 rotações em discos de cera de carnaúba, chamados de bolachões), o radialista anunciava: “Atenção... Atenção... Manoel das Caraíbas... Assim como uma rosa abre as suas pétalas para receber o orvalho da manhã, abra o seu coração ao ouvir esta bonita gravação, que lhe oferece a sua... e sempre apaixonada... Severina”. E seguia dizendo o título da música e o nome do cantor. “A Carta”, com Waldick Soriano, era uma das letras preferidas das empregadas domésticas e muitos namoros se iniciavam ou, se reatavam, graças  ao serviço de som dessas festas. Por sua vez, os meninos faziam mensagens consignando apelidos dos mais indesejáveis, tais como: “frita peixe e olha o gato”, “olho pro cu”, “cobre e alinha”, “instalação trocada”, dirigidos aos estrábicos; “cangaceiro”, “mordido pelo porco”, “doidão”, para os brabos; “balão”, “mamãe  Dolores”, ”tonel de merda” para os  gordinhos; e muitos outros, que de  vez em  quando  foram  motivadores  de  brigas e inimizades duradouras.
Na década de l950, em Boa Viagem, só existiam como divertimentos para a criançada, os parques infantis com balanços, escorregos e gangorras nos 05 (cinco) postos de salvamentos mantidos pela guarda municipal, e  as domingueiras de cinema do cônego Romeu de Sá Barreto, pároco da igrejinha de Nossa Senhora da Boa Viagem, cujas sessões eram realizadas numa das casas da vila, em frente a dita capela. A igreja como instituição, efetivamente, além dos ensinamentos religiosos, participava da formação, educação e entretenimento dos seus paroquianos. Já como monsenhor e ainda moço, o nosso pastor Romeu de Sá Barreto, veio a falecer vítima de um infarto. Foi sob a sua administração que foi inaugurado o Centro Social Dom Miguel de Lima Valverde, localizado atrás do templo. O centro social já em meados de l969, serviu para as sessões de arte cinematográfica da turma do Posto 04 ou turma do Rififi, onde a juventude aos domingos á noite assistia filmes reconhecidamente premiados nos diversos festivais de cinema do mundo, com a colaboração do Sr. Antonio Gonçalves, pai do nosso querido Cacalo, proprietário do projetor e responsável ainda, pela operação. Os Bompastor (Luciano e Graça); os Pimentel da Silveira (Breno, Marcos e Marcelo); os Dhália da Silveira (Maria Lúcia, Bruno Veloso); os Maurício (João Gaulberto, José Carlos, Roberto, Carlinhos e Isabel); os Araújo (Antônio, Emilia, Silvia, Fernando e Silvinho); os Pinto Teixeira (Paulo, Carlos, Luis); os Vieira da Cunha (Luiz Augusto e Fernanda); os Pastich (Marcos, Ana Maria, Maria Alice e Dionéia); os Rodovalho (Nilton, Edilson, Fernando e Ana); os Feitosa (Eduardo, Cristina, Conceição, Henrique e Fernando); os Bezerra Barros; os Dwosley (Clarissa e Saulo); os Carvalho (Vavá, Claudio, Fátima, Marco e Valéria); os Calabria (Walter, Waldir, Wilson, Geraldo, Carlinhos e Vanda);  os Parente (Wilson, Waldir, Walter e Dione); as Franco  Abreu (Rosina, Patrícia e Adriana); os Blanck (Willie, Clara e Mônica); as Oliveira (Luciane, Jussara, Nilde e Fátima); a família Lira (Ana Maria, Ana Cristina e Ana Lúcia); Ricardo e Ângela Rodovalho de Lira; Ana Maria e Rosinha Freire Albuquerque; os Cunha Andrade (Inaldo, Virgínia e Paulo Roberto); Stella Maris Cavalcanti; Wanesca, Isá, Walesca e Wanosca Barcellos;  Marilda Simão; Valdênia Bittencourt; Laura Regina Cavalcanti; Marilda Simão Henrique; Ana Julieta Oliveira; Maria Clara Almeida; José Ângelo Rizzo.
Até o final dos anos sessenta, Boa Viagem era uma praia tranqüila. Violência? Esta, quase inexistia, salvo: as ocorrências com brigas nas bodegas da vida. Andávamos quilômetros sem nenhum risco de assalto ou roubo.
O jornalista Arnaldo Jabor, em sua crônica, publicada no Jornal do Commercio de 24/06/2008, sob o título “As Intricadas Fivelas dos Sutiãs”, analisando o comportamento da juventude dos anos 60/70, e as demais gerações a partir de 80, diz o seguinte:

“Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era ainda um desejo romântico e, mais que isso, um sonho político contra o ‘sistema’, uma busca de liberdade contra as regras da caretice, um ‘desregramento dos sentidos’, diferente deste amor de mercado, amor transgênico, geneticamente modificado – este ‘fast love’ de agora. O amor virou um cultivo da ‘intensidade’ contra a ‘eternidade’. É o fim do ‘happy end’. E, no entanto, era difícil amar completamente. Falo isso porque sou do tempo em que as namoradas não ‘davam’.
Os meninos de hoje vivem em haréns. Estes garanhões privilegiados – que eu tanto invejo – torcem o nariz para deusas de 18 anos, entediados, enquanto, no meu tempo, as meninas, com pavor de engravidar, deixavam quase tudo, menos o principal, e os rapazes iam para casa com dor nos rins e perpetravam masturbações feéricas. O medo era a ‘barriga’, a gravidez. Mas, mesmo depois da pílula, persistia o terror de uma liberdade assustadora; havia ainda um forte apego a vestidos de debutantes, ao organdi branco, aos buquês e véus de noiva esvoaçando nas almas virgens. Quase ninguém ‘dava’. As poucas liberdades eram vistas pelos rapazes com uma atração cortada de preconceitos. Quantos teriam coragem de casar com elas? Lembro de uma menina na universidade que ‘dava’, mas o fazia num transe meio epiléptico, sofrendo com os olhos virados em alvo, num sacrifício ritual de gritos e choros, do qual acordava sem lembrar de nada.
Não havia motéis, então. Namorávamos em qualquer buraco: terrenos baldios, cantos escuros da noite; eu mesmo já namorei dentro de uma grossa manilha encalhada na praia de Ipanema. Quantas meninas eu tentei empurrar para dentro de apartamentos emprestados, mas que empacaram na porta! ... Quantas unhas quebradas em sutiãs inacessíveis, quantas palavras gastas em complexas cantadas, apelando para Deus, para Marx, para tudo, desde que as saias caíssem e as calcinhas voassem... (...) ...
Hoje, o ritmo do tempo e do dinheiro acelerou o amor matando seu mistério. Os casos duram uma semana, o amor tornou-se um ‘software’ que pilotamos, com o controle das emoções programadas. Temos medo de nos apaixonar demais e fracassar na produção. Mas se a história atual parece não ter mais sentido, ainda queremos encontrar sentido para a vida, claro, e o amor é uma ilusão sem a qual não podemos viver.”

O tempo mudou. A vida também. Tentamos segui-lo, todavia, nos sentimos perdendo a batalha. Acompanha-nos a certeza de que fizemos pouco, mas fizemos. Valeu a pena construirmos um grupo grande de pessoas que se reúnem sempre de forma afetiva e solidária, nas vitórias e nas derrotas, na alegria e nas tristezas. E assim, continuamos a dar exemplos de humildade, simplicidade, solidariedade e amor aos nossos filhos, netos e bisnetos.
Não exijamos que os nossos filhos nos vejam como santos. Também não queiramos que nos vejam como hipócritas. Mas esperamos que entendam que tentamos a concretização do muito, com a certeza de que o muito nosso não é igual ao muito dos outros. É como o digital dos nossos dedos. Diferente uns dos outros, às vezes aparente, mas nunca igual.
Este livro servirá para que os nossos filhos vejam que também fomos jovens como eles e que procurem ser melhores do que nós.